Se você já se envolveu com Secure Contain Protect, ou SCP, você já deve ter se deparado com membros da comunidade que afirmam que depois de certo momento, as páginas do site ficaram cheias de seres onipotentes que podem (e vão) destruir o mundo logo logo, ou coisas do tipo. Afirmam que esse é um problema de “powercreep”, ou escalas de poder que não param de aumentar, mas eu acho que é um problema de design de mundo um pouco diferente, e um que eu não sei se tem um nome apropriado, mas que eu chamo, provisoriamente, de “mundo perigoso demais para se viver”.
E esse é um tropo que pode ser incrível quando bem
utilizado, ou dar uma impressão muito mais amadora à obra, quando mal
utilizado.
Pois bem, o que exatamente é o tropo “mundo perigoso demais
para se viver”, e quais são alguns exemplos disso?
O nome é auto explicativo o suficiente, mas em resumo: é um
mundo com muitas ameaças poderosas demais e ativas demais para que a espécie
humana pudesse ter evoluído, ou que as civilizações humanas tivessem surgido; e
em casos onde essas ameaças surgiram posteriormente a espécie humana e suas
civilizações, já era para termos sido extintos, ou a sociedade colapsar.
Você sabe, mundos onde toda noite monstros que comem pessoas
vagam pelas ruas, e durante o dia monstros que arrancam a pele das pessoas
patrulham por aí, e toda noite um kaiju sai do mar e destrói a cidade, e toda
manhã um dragão queima metade do planeta.
Mundos onde suas roupas são mortais, e sua comida é mortal,
e o ar é mortal, e 6 bilhões de pessoas morrem todos os dias, esse tipo de
história.
Acho que as mídias onde mais se proliferam esse tipo de
histórias são em ARGs e histórias de horror da internet em geral mesmo. Por um
breve período de tempo há uns anos atrás, eu me interessei bastante por elas,
mas acabei achando extremamente frustrante como elas repetem esse tropo de
ameaça extrema e completamente impossível de se lidar, os monstros dessas
histórias sendo sempre a prova de balas, invisíveis, resistentes a calor,
respiram embaixo d’água, se reproduzem feito coelhos, trocam de forma, atravessam
paredes, são mais rápidos que o som, e têm todos os outros poderes que você
pode imaginar.
Mas quais os exemplos que temos para isso?
Mandela Catalogue e Vita Carnis com uma infinidade de
monstros praticamente invencíveis contra os quais você não pode fazer porra
nenhuma, e saem por aí matando milhares, ou dezenas de milhares, ou milhões de
pessoas todos os dias porque parece que só vêm se tornando mais e mais ativos
com o tempo; qualquer mundo criado por Trevor Henderson, e eu não acho
que eu preciso sequer elaborar sobre o Sea Eater, né; ou o próprio universo de
SCP que tem múltiplos monstros de tamanho continental, e coisas que estão comendo
a do sol, e várias outras ameaças ainda piores.
O tropo existe também em outras mídias, é claro, como no
mangá “Hakaiju” que é repleto de monstros ridiculamente poderosos e tão grandes
que o planeta Terra é literalmente pequeno demais para eles.
E uma menção especial desse tipo de tropo é a criatura que
eu mais odeio em Dungeons and Dragons: a falsa hidra. Eu acho esse monstro
ridículo, mano. Se ele existisse, o surgimento de qualquer assentamento com
mais de poucas dezenas de indivíduos seria simplesmente impossível, a menos que
ao longo do tempo os corpos governamentais tenham desenvolvido técnicas
infalíveis pra se lidar com elas; mas não é esse o apelo do monstro, né? As
pessoas gostam da falsa hidra justamente porque ela é tão forte e indetectável
e quase impossível de se lidar...
Mas falando de medidas responsivas, essa, junto com uma boa
justificativa, são exatamente as coisas que fazem esse cliché brilhar em seu
potencial completo para mim.
Claro o mundo de Hunter x Hunter é perigoso demais mesmo
para os seres humanos mais forte de seu universo, mas existe uma justificativa
do porque os humanos e suas sociedades existe e perduram: somos basicamente uma
espécie com nanismo insular. Nós somos os estranhos fracotes num mundo onde o
padrão é ser extremamente forte, porque estamos isolados num arquipélago no
meio do nada, e os governos mundiais tomam providências ativas para manter
o mundo humano isolado.
Claro, o mundo de LoveCraft é
repleto de entidades imensuravelmente mais poderosas, inteligentes, e fortes
que seres humanos... e é justamente por isso que elas não poderiam se importar
menos conosco e somos permitidos a existir, porque somos insignificantes pare
elas. Para esses deuses espaciais nos dar atenção, seria como se os EUA
decidisse que querem extinguir os esquilos Kaibab (uma espécie que vive
somente numa área de menos de 1.000 km2). Tipo, claro, eles podem fazer isso,
mas por que? É uma parcela ínfima de seres cósmicos que “desperdiçam seu tempo”
interagindo com humanos, e raramente seus objetivos são simplesmente a
aniquilação.
Enfim, meu ponto é: como leitor, em
histórias com mundos perigosos demais para se viver, respostas competentes é
algo que eu exijo ou dos personagens da obra, e/ou de seu autor.
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