O cão é o melhor amigo do homem, dizem muitos, mas sempre
foi o cavalo quem ajudou o agricultor a arar o solo, que carregou o soldado no
campo de batalha, e que transportou pessoas e bens ao redor do mundo ao longo
da história... Mas mais importante que isso, em noites cheias de tensão, não
são relinchos de cavalos que assombram transeuntes.
Esse é um relato real, contado por um colega de trabalho de meu irmão.
Essa é uma história de décadas atrás, e que se passa numa
comunidade pequena do interior. Um povoado tranquilo, do tipo em que se pode
deixar as portas e janelas escancaradas ao sair de casa, sem pesar na
consciência. O tipo de lugar onde todo mundo conhecia todo mundo, onde carroças
eram o principal meio de transporte, e as casas eram separadas por vastas
extensões de mato e selva.
...Também era o tipo de lugar onde, à noite, não havia muito
o que se fazer, além de visitar o boteco local, e tomar alguns dedos de
cachaça. E era exatamente isso o que o protagonista dessa história fazia.
Com os cabelos grudados na testa pelo suor, e uma perna
subindo e descendo, agitada, o homem encarava a estrada de terra batida a
frente do bar. Aquele trecho em específico, por ser mais próximo à BR, era
iluminado por postes de luz, mas o caminho para sua casa, apenas um pouco mais
adiante, não era. Seriam quilômetros de viagem em breu quase total, com apenas
um lampião como guia. E o pior: no caminho até o bar, ele havia ouvido uivos.
O homem já havia bebido mais do que o comum, mas a coragem
líquida não lhe acalmava os nervos. Lobos guará, na época, ainda vagavam pela
região, mas ele já havia ouvido os tímidos animais antes, e o uivado que ouvira
naquela noite era completamente diferente. Algo lhe dizia que ele não deveria
deixar a proteção sagrada de uma lâmpada HPS. Porém, os outros bebuns apontavam
para ele, sorrindo, e o bartender começava a jogar verde para descobrir se
havia algo errado.
O homem não seria motivo de piadas naquela noite. Não, não
enquanto ele tivesse o três-oitão em sua cintura: levantou-se, estufou o peito,
pagou a conta, e subiu em sua carroça de volta para casa.
Ao fim do primeiro quilômetro de viagem, quase já havia se
esquecido porque hesitou tanto em fazer o caminho de volta. Ao fim do segundo
quilômetro, porém, foi lembrado do motivo: um uivo. O som era horrível, muito
alto, muito rouco, cheio de cólera.
O homem atiçou seu cavalo, querendo retornar à segurança de
seu lar o mais rápido possível.
Poucos minutos de viagem depois, seu cavalo mostrava-se
agitado, balançando a cabeça de um lado para o outro freneticamente, conduzindo
viciosamente a carroça para a esquerda, para longe do paredão de mato que a
estrada contornava. Aquilo era estranho, algo estava errado, o homem não havia
apressado seu cavalo por tempo o suficiente para que este começasse a mostrar
sinais de exaustão ainda...
Não houve tempo para considerar outras hipóteses: como um
relâmpago, um imenso cão albino saltou da mata e abocanhou a garganta do animal
de carga.
O repentino solavanco atirou o homem apavorado para fora da
carroça, bem como seu lampião, e quando finalmente fez-se banhar o cavalo de
luz mais uma vez, o homem empunhando seu revólver com uma mão titubeante, e a
fonte de luz com outra, ele deparou-se com a cena mais aterrorizante de toda
sua vida.
Se o enorme cão albino era o relâmpago, o pescoço
brutalmente despedaçado do cavalo, esguichando litros de sangue era a
tempestade profetizada a assolar a terra. O enorme cão havia rapidamente matado
o cavalo, muitas vezes maior e mais pesado. E pior... o predador então encarava
fixamente o homem.
“Bang! Bang! Bang! Bag!”
O homem disparou quatro vezes contra o cão, descarregando
metade do tambor da arma no animal... no que deveria ser um animal, mas
ao invés de cair morto instantaneamente, o cão apenas soltou do cavalo, com
expressão incomodada, e mergulhou de volta à mata.
...O homem não sabe quando ou como chegou em casa. Deve ter
corrido sem parar por quilômetros, olhando ao redor de si e para a escuridão a
todos os lados, quase enlouquecido. Não se atreveu a pregar os olhos antes do
raiar do sol.
Nenhum cadáver de cão foi encontrado... Ou de cavalo.
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