Lugares assombrados. Os associamos com ruínas distantes e marcos isolados. Afinal, é impossível que um lugar que já visitamos centenas, ou milhares de vezes e nunca tivemos problemas antes, de repente, se revele diretamente conectado com o outro mundo... não é?
Esse é um relato real, contado a mim pelo meu avo por parte de mãe.
Meu avô é um homem do interior, sempre foi, e costumava me
contar histórias incríveis e interessantes de como sua vida era em sua
cidadezinha brasileira típica muito antes de postes elétricos cortarem o país
de ponta a ponta. Falava que, quando moço, tudo era produzido pela comunidade
local, das roupas que vestiam à comida que comiam, a única exceção à essa regra
sendo o sal, que só era encontrado no centro do município, na zona costeira.
Também me falava que fome era uma companheira tão constante quanto a própria
sombra.
Não é de se surpreender então, que em noites limpas de lua
cheia, quando era possível navegar as ruas e campos sem a necessidade de
lampiões ou outras fontes de luz artificial, meu avô saísse para pescar na
lagoa próxima. Já havia o feito inúmeras vezes antes, e sequer era um hábito na
época.
De barriga roncando, dificultando o sono, meu avô avançava
lagoa adentro sob a luz do luar, e tarrafeava os peixes que quebravam a
superfície calma da água. Verdadeiramente um cenário digno de um belo quadro a
óleo.
Vale notar, porém, que esta lagoa possuía uma
particularidade: ela era muito rasa, não passando da altura do peito de um
homem... isso é, até seu próprio coração, quando o chão desaparecia
repentinamente sob os pés, terminando abruptamente num abismo de forte
correnteza gélida, quase impossível de se escapar. Isso se devia ao fato de que
essa lagoa era, na verdade, periodicamente conectada ao oceano, tal abismo e
correnteza sendo frutos da erosão causada pelas marés.
Apesar disso, o local era perfeitamente seguro, contanto que
visitantes se mantivessem afastados da “vala” como chamavam os locais. E é
claro, meu avô estava perfeitamente ciente da formação.
Melhor ainda, ele havia acabado de notar peixes saltando ao
ar, suas escamas refletindo como prata sob a luz do luar. Ou melhor, como prato.
O pescador avançou na direção dos peixes, atirou a tarrafa e... Nada.
Nenhum animal havia sido capturado pela ferramenta. Mas,
afinal, a situação não era tão ruim assim, pois os peixes saltaram à superfície
mais uma vez, e apenas alguns passos adiante.
Meu avô os perseguiu, tarrafeou, e recolheu nada mais uma
vez. E de novo, os peixes saltitaram logo adiante, como se zombando dele.
O processo foi repetido tantas vezes, os minutos foram
passando, as nuvens aos poucos bloqueando a luz do luar, e a fome crescendo.
Fome. A mesma coisa que trouxe meu avô até aquela lagoa
tranquila no meio da noite, foi a coisa que o fez olhar para trás e na direção
de sua casa; talvez ainda houvesse alguma farinha e sal para se fazer um pirão
de água, ao menos...
Foi então que ele percebeu: já havia andando para muito
longe da costa. Na verdade... Bem quando tornou a olhar adiante, onde os peixes
zombeteiros saltavam para fora d’água, a luz da lua brilhou forte mais uma vez,
desimpedida por nuvens, e o pescador finalmente a viu. A escuridão.
Apenas alguns passos adiante, bem sob os peixes que estava
perseguindo a noite toda, encontrava-se a “vala”. Se ele houvesse decidido
tarrafear somente uma única vez a mais... ele poderia nunca mais ter voltado
para casa.
Mas naquela noite, ele voltou. Jogou a tarrafa sobre os
ombros, e correu de volta para a terra firme. De repente as escamas
acinzentadas dos peixes não cintilavam mais como prata... mas sim como ossos
molhados.
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